Get this widget | Track details | eSnips Social DNA

quarta-feira, outubro 25, 2006

O Escritório










Um dos meus primeiros contactos mais relevantes com o mundo escondido das palavras deu-se há mais de 20 anos, em casa dos meus avós maternos, com uma antologia da Florbela Espanca que trazia a fotografia amarelecida dela na capa. Feliz encontro, apesar do sentido pesado do poema que li. Nessa altura, escondia-me (à hora das refeições) no escritório e vasculhava todos os livros do armário alto, que também guardava os medicamentos e a enciclopédia Luso-Brasileira do avô Mário. Folhas soltas dos livros há muito pousados e deixados à boa vontade do bicho-da-madeira, mas lidos e relidos tantas e tantas vezes. Folhas completas de ideias cravadas na imaginação e nos rascunhos das nossas almas. Para mim, os dias valiam mais quando lia as palavras difíceis, quando descobria os termos médicos para as enfermidades vulgares, quando admirava os belos vestidos das mulheres do Henrique VIII (colecção privilegiada lá da casa) nos 8 volumes, quando (arcaicamente) juntava os vocábulos em versos para os amores da altura. Por isso, fico anestesiada com o cheiro da madeira velha dos recantos das casas perdidas. Foi num deles em que aprendi a escrever, a ler conscientemente, a recitar de memória o primeiro Canto dos Lusíadas e a descobrir a verdade impressa nos olhares das fotografias divididas entre gavetas e gerações.