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segunda-feira, junho 25, 2007

Da Liberdade


















A porta de entrada calou-se com um estrondo e o que fora vila em dia de mercado de pleno Agosto transformara-se em ermo de Interior de neve tardia. O silêncio. O silêncio ensurdeceu-se-lhe nas mãos, nos olhos, nos cantos vazios e na tónica persistente do som do frigorífico.
Nunca o T1 lhe parecera tão simultaneamente claustrofóbico e espaçoso e, agora que a voz ecoava com indisciplina nas frases que tentava reconstituir, a razão perdera-se-lhe na garganta seca e o rosto tornava-se ainda mais transparente do que a claridade que lhe entrava pelas brechas da janela e da vida.
Encostou-se ao azulejo e fundiu-se na ordem neoplasticista da composição. Desejou travar o movimento da água da chuva nas ruas e incendiou as lágrimas que lhe percorriam os dedos e a descompunham naquele vestido cansado...escolhido por ele no Natal passado.
Mas, a situação, aos poucos, imaginara-se previsível. Sabia, desde os tempos das brincadeiras no terraço dos avós e das corridas até ao farol da praia grande, que a única concorrente à sua altura seria aquela liberdade de que se fala... crua e integral.
Era ele que lhe roubava de repente e de cor os seus gostos, as palavras indizíveis e a sua preferência pelo vinho branco brando do hotel de Paris...
Talvez o lembrasse para sempre no cadeirão do canto do jardim aos domingos. E talvez ele a retivesse descalça no areal com a dança entre os braços e os pés no Verão em que se casaram.
A voz adormecida dos desejos acordou-o e empurrou-o para a inevitável maçaneta da porta de saída e para aquele mundo escondido e integral de que se fala.