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quarta-feira, outubro 25, 2006

O Escritório










Um dos meus primeiros contactos mais relevantes com o mundo escondido das palavras deu-se há mais de 20 anos, em casa dos meus avós maternos, com uma antologia da Florbela Espanca que trazia a fotografia amarelecida dela na capa. Feliz encontro, apesar do sentido pesado do poema que li. Nessa altura, escondia-me (à hora das refeições) no escritório e vasculhava todos os livros do armário alto, que também guardava os medicamentos e a enciclopédia Luso-Brasileira do avô Mário. Folhas soltas dos livros há muito pousados e deixados à boa vontade do bicho-da-madeira, mas lidos e relidos tantas e tantas vezes. Folhas completas de ideias cravadas na imaginação e nos rascunhos das nossas almas. Para mim, os dias valiam mais quando lia as palavras difíceis, quando descobria os termos médicos para as enfermidades vulgares, quando admirava os belos vestidos das mulheres do Henrique VIII (colecção privilegiada lá da casa) nos 8 volumes, quando (arcaicamente) juntava os vocábulos em versos para os amores da altura. Por isso, fico anestesiada com o cheiro da madeira velha dos recantos das casas perdidas. Foi num deles em que aprendi a escrever, a ler conscientemente, a recitar de memória o primeiro Canto dos Lusíadas e a descobrir a verdade impressa nos olhares das fotografias divididas entre gavetas e gerações.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Luz Maldiviana IV

Luz Maldiviana II


Luz Maldiviana III

Luz Maldiviana I

segunda-feira, outubro 16, 2006

Modigliani



















Modigliani, o pintor, a par de outros artistas emblemáticos do início do século passado, reflecte a consciência e o pensamento de uma classe que não se orienta nem por condutas convencionais nem por dogmas cristalizados no espaço e no tempo. Talvez por isso, a produção artística e literária tenha sido tão brilhante e abundante.
O pós-Grande-Guerra excede-se em tertúlias um pouco por toda a Europa, mas é em Paris que se refugiam os maiores símbolos da época, como Picasso, Matisse, Rivera e Sautine…mais uma vez, a cidade-luz cintila.
Modigliani, na tela protagonizado por Andy-Garcia-No-Seu-Melhor, vive pelos sentimentos maiores e pela beleza das coisas que pinta para homenagear (e que são, também, seu único sustento).
Tropeça no amor por uma parisiense de boa família (renitente, como é obvio, a essa irreflectida relação), da qual, reciprocamente, recolhe dedicação extrema em vida (e na morte). [Não é peremptório, mas (por tendência) as histórias tristes resultam mais facilmente em histórias mais belas.]
Durante o filme, o movimento ubíquo do pincel acompanha os contornos dos quotidianos das metamorfoses urbanas, da esperança das gerações vanguardistas, da moda, dos movimentos culturais, das aspirações e inspirações políticas, dos cafés esfumaçados de ideias, dos espectáculos improvisados na rua, dos amores poéticos e platónicos, do dom da palavra e do desejo de viver tudo de uma só vez.
É nesta trajectória de acontecimentos que Modigliani e Picasso, os homens, constroem um binómio confronto-sintonia assente, sobretudo, em respeito mútuo. Elogio as marcas indeléveis, as consequências definitivas, a riqueza e a humanidade em estado puro, que, tal como estes, muitos concertaram um dia. E, afortunados os que entendem que a discussão das pinceladas dos dias que correm ainda é válida…e urgente.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Sancta Simplicitas

sexta-feira, outubro 06, 2006

O Lugar dos Anjos


Seria o final da tarde…talvez.
Ela levava na mão quatro peças de mar muito brancas e a pele salgada dos banhos do dia. Ele fotografava o momento a sépia e deixava um trilho de passos descansados atrás de si. Caminhavam na areia cetim e adivinhavam o pulsar subtil da vida subtérrea.
Chovera intensamente na noite anterior e a construção de madeira do quarto parecia dar de si com a quase-intempérie. Mas, por vezes, o perigo torna-se bem mais fraco do que o deslumbramento.
Pouco tempo antes, o cenário apresentara-se dramático, porque o mar tem também os seus lamentos. E, por vezes, esses tremores transformam-se em tragédias sentidas em terra, que não olham a vidas nem pertences.
Mesmo assim…os paraísos permanecem intocáveis pois é essa magnitude que os define. E, durante alguns dias, presenciaram os impulsos de um deles.
Entenderam que a diferença em relação à luxúria é que esta corrompe, à medida que é sustentada por obras meramente humanas e sofismáveis. Um lugar de anjos e bem-aventurados como aquele exalta, pelo contrário, as qualidades e virtudes inauditas.
Prometeram-se novamente um ao outro num princípio de vida e fundamento.
Prestaram-se às estrelas e aos peixes-voadores.
E, por instantes, o destino coube-lhes na mão.

terça-feira, outubro 03, 2006

16 de Setembro de 2006

Por Baco bebi,
a ti brindei,
pelo brilho dos teus olhos
e da nossa vida.
Por Avalon senti
a bruma leve
da tua alma,
tocando a minha, perdida.
Por ti serenei,
hibernou a tempestade,
desertou o desalento,
senti-me deusa do meu momento.
Por mim regresso,
desfaço malas, peço tréguas,
rendo-me ao sono, descansada,
como quem respira lucidez perfumada.
Por nós danço,
nesta e noutras temporadas.
O mundo é nosso, meu amor.
A coreografia liberta-me,
como tu, na exuberância
das nossas madrugadas.