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quarta-feira, novembro 29, 2006

A Cidade dos Poetas Loucos


Volto às pedras da rua torta para sentir as saliências sob as minhas pernas preguiçosas. Volto ao rebuliço da vida que finge ser independente do aquecimento global da impaciência. Volto às noites caladas dos poetas loucos e dos apelos perdidos das vielas da inspiração. Volto aos dias das grandes batalhas por mais um lugar ao sol dos abençoados. Volto às conversas inacabadas sobre assuntos escondidos no plano secundário da existência. Volto a sentir o aroma das castanhas assadas dos tempos em que descobria a cidade pelo toque dos meus dedos, pelo tiritar de frio agridoce e pela mão do meu pai. Volto aos sítios das memórias intactas. Volto às dúvidas sobre os sotaques da chuva.
Volto aos movimentos em câmara lenta para não me esquecer dos sons do mar...e de que posso sempre voltar.


segunda-feira, novembro 20, 2006

Vocação












Aos 14 anos, somos submetidos a testes psicotécnicos (muito fidedignos pois) que determinam a nossa vocação. A onda colectiva de resignação anui à ordem de números, de cores, de formas geométricas...dos ditos testes.
E a nossa vocação vai-se adaptando à falta de vagas lá fora no mercado e à insistência em permanecer com os mesmos amigos (por mais 3 longos anos, pelo menos).
As horas de literatura, as peças (muito) improvisadas de teatro, o ballet, a música, as aulas de fotografia em Canon do pai na Foz, o costume familiar da medicina não são esquecidos, mas ficam fora da esfera de escolha, porque o colégio não tem área de Artes e porque os famosos resultados [de uma sequência de quadrados com pintas ou da orientação de uma roldana em papel] definem que a minha vocação se adequa a uma área de ciência sociais...como a Economia.

E assim é. Faz-se Economia. O curso até preenche as expectativas e aprender da ciência é gratificante (até nos dilemas teoria versus educação).
Fora da Escola, o cenário é bem diferente.
O que se segue? Continuo dividida entre as letras, a política (económica), os números que o cérebro digere e a arte que os olhos admiram.
Se a vocação nasce, também se cria. Crio a minha todos os dias e todos os dias se desenha emocionante à minha frente, bem distante da luz fria dos gabinetes da paralisia profissional.


[Só desejo que a espera não seja tão demorada como um ciclo de Kondratieff.]

terça-feira, novembro 14, 2006

O Mensageiro


















Segundo a tradição judaico-cristã, o Anjo é uma criatura celestial (que na generalidade, a maioria dos crentes das religiões fundadas na revelação bíblica, acredita ser superior aos homens) que serve como ajudante ou mensageiro de Deus. Na iconografia comum, os anjos geralmente têm asas brancas de pássaro e uma auréola. São donos de uma beleza delicada e de um forte brilho, por serem constituídos de energia, e, por vezes, são representados como uma criança, por terem inocência e virtude. Possuem influência sobre todo o plano orgânico e elemental. Sendo assim, eles têm como uma das suas missões, ajudar a humanidade no seu processo de evolução.

(Ou Deus não existe ou, sendo assim, posso concluir que a procura de anjos é excedentária em relação à oferta e o preço de equilíbrio é muito alto...a missão não está cumprida, a humanidade evolui, mas numa economia paralela, porque o vento que sentimos é muito frio...Siroco não nos faria mal de vez em quando...restam momentos como este, em que tenho o meu mundo controlado pela escrita dos meus dedos.)


A voz pulsa sob os meus dedos. Amarro o olhar nos meus braços e guardo o gesto nos bolsos da minha longa tarde.
O sussurro antigo paira no horizonte, mas não sei como decifrar o destino do sopro do anjo que brilha à minha frente.
A mensagem. Aquilo que é urgente definir na ordem da minha longa tarde. Aquilo que retenho como verdade absoluta na relativa ondulação dos meus percalços e que deveria orientar a ondulação da humanidade...meio perdida.
O Mensageiro chega ao seu destino se o segredo que o move provoca a revolta dos mares na minha consciência.

Os Pescadores (mensageiros ou não) que se precavenham, porque hoje o mar está cavado e não se vislumbram tempos de pequena vaga no meu estado de estar ciente.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Porto Em Mim












Tomo o pequeno-almoço em Serralves, de olhos fixos entre uma didáctica pincelada contemporânea e uma árvore do jardim da Casa.
O verde relaxa e eu morro por um café (de saco, como é habitual)! Abro o livro e leio a primeira frase que é sempre mais comprida do que as seguintes. Desta vez, um romance que sai favorecido pelo ambiente conjuntural em que me encontro. O sol bate devagar nos meus ombros e já nem me lembro do nevoeiro que se torna marginal… confinando-se à própria margem ao longe.
Decido parar por volta do meio-dia e volto às profundezas da cidade.
Quero almoçar na ribeira de Gaia nos intervalos da focagem e disparos dulcíficos, enquanto os miúdos ainda se servem do tabuleiro de baixo para o mergulho da fama.
Mais tarde, o passeio prolonga-se pela rua das Flores que, decididamente, é uma jóia da coroa ignorada. Chego à Fnac ofegante, mas vitoriosa. Livros em cima dos meus joelhos e a tarde por minha conta.
A última imagem retida na máquina é um crepúsculo esfumaçado em frente ao Pontão.
À noite, o mar chega à esplanada de vidro e à conversa da mesa.
E eu ainda sinto a cabeça a latejar de satisfação lúdica.

segunda-feira, novembro 06, 2006

Bartleby














Fenómeno Bartleby. Como qualquer outro, deverá ser entendido intimamente e por cada um de nós.
Os tempos áureos jamais se repetem. Acontecem uma única vez sob o mesmo desígnio. Seja a arte, a literatura, a filosofia ou o pensamento.
Bartleby. Pulsão negativa ou atracção pelo nada. Faz com que certos criadores, embora com consciência literária/artística muito exigente nunca cheguem a escrever/criar. Paralisia encantatória. Todos conhecemos os bartlebys, esses seres nos quais habita uma profunda negação do mundo (Henrique Vila-Matas, heterónimo de António Tabucchi, in Magazine Artes). A inércia eterna após obra consagrada (pelo menos, pelos olhos exigentes que avaliam).
Na minha peculiar forma de análise, considero que mais do que um fenómeno explicado intensivamente por mentes mais cuidadosas...é um fenómeno nascido do medo, defendendo-o acerrimamente...eufemismo para o Desconhecido que o Nada sustenta.
O bloqueio é causa-efeito natural para a fuga do mundo que nos acolheu por instantes... e que nos reconheceu...para sempre.
Tememos a não-consideração, a não-inspiração, a não-admiração, a crítica e a autocomiseração. Tememos o eco à posteriori. O Nada.
Fenómeno Bartleby. Apologia ao Nada.
A virtuosidade é o antídoto perfeito para o Vazio que se nos espreita indisciplinadamente quando menos desejamos.
Porque, a virtuosidade não é controlável a bel-prazer, nem pela nossa convicta vontade.
Porque, a virtuosidade salva o que de nós se acha perdido. E isso, por si, apaga o marasmo das almas e eleva-nos ao patamar dos reconhecimentos.

A minha necessidade de virtuosidade é como a resistência de uma fortaleza cátara do Languedoc. Intransponível. E determina a diferença entre a teimosia e a persistência.

sexta-feira, novembro 03, 2006

O Embalo

Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Poesia